Apresentamos aqui artigo escrito pelo membro do Muidokan Bruno Chagas, originalmente publicado em seu blog, Puro Karate. O texto aborda kakedameshi, kake-kumite e kakidī, conceitos históricos do karate de Okinawa. O material é fundamentado extensivamente por referências e relatos históricos, apresentando descrições preciosas sobre as práticas. São informações cruciais para o entendimento dos fundamentos do karate dentro de seu contexto e propósito originais, portanto de grande relevância para a comunidade do karate como um todo.
Bruno também publicou um vídeo resumindo aspectos abordados no artigo, que pode ser assistido neste link.
No Muidokan Karate Kenkyukai, os conceitos descritos no artigo escrito por Bruno são amplamente estudados e aplicados há anos, com sua profundidade e funcionalidade atestados na prática e associados a uma criteriosa e rica pesquisa das aplicações dos kata. Assim, o material reforça os fundamentos históricos e a fidedignidade do trabalho desenvolvidos por Samir Berardo e pelos membros desta sociedade de pesquisa.
Texto originalmente publicado em 31/8/2021, em Puro Karate
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ARTIGO NA ÍNTEGRA
Kake-Kumite/Kakedameshi: A forma original de confronto livre do Karate
Você já ouviu falar de kakedameshi ou kake-kumite? Se não, não se sinta sozinho, pois pouca gente ouviu, muito menos pessoas sabem o que é e menos ainda treinaram isso dentro de um dojo de Karate, especialmente aqui no Brasil. No entanto, esses termos começaram a ser mencionados com mais frequência e explicados por conta do aumento no interesse pela história do Karate. Kakedameshi e kake-kumite fazem parte dos elementos históricos que compõem o Karate desde a época que ele era chamado na língua nativa de Okinawa (uchināguchi) de Tōdī 唐手[1] (mão chinesa; Tōde em japonês) e remete a conceitos ainda mais antigos que isso, apesar de ter se tornado obscuro devido às mudanças de rumo impostas pela modernização da arte.
Kake-kumite e kakedameshi (que é uma palavra mais conhecida) são basicamente uma forma de combate livre (jiyū-kumite). Tratam-se de um tipo de kumite antigo, relacionado com as próprias origens do Karate. Uma das principais características desse kumite é começar com os oponentes em contato e desenvolver o confronto de forma livre em curta distância. É uma dinâmica muito diferente das formas modernas de kumite, que costumam iniciar e se desenvolver na média e longa distância, com um certo nível de restrição nas técnicas aplicadas (influência esportiva) e que na maioria dos casos têm pouca ligação com as técnicas representadas nos kata.
Ao longo deste artigo, vou apresentar definições sobre kake-kumite e kakedameshi, termos relacionados, e também uma série de registros históricos e modernos sobre a prática, traçando então uma definição do que é esse tipo de kumite e quais suas principais características.
- Diferenciação terminológica entre kakidī, kake-kumite e kakedameshi
O formato de kumite antigo ao qual eu me refiro neste artigo tem mais de uma denominação, dependendo da tradição ou do propósito. No Motobu-ryū, é chamado de 掛け手[2], lido em japonês como kakede ou kakete e em uchināguchi como kakidī. Esse termo tem relação com a posição assumida no início do confronto, em que os oponentes permanecem com os respectivos antebraços direitos em contato, de forma cruzada. Significa algo como “mãos penduradas” ou “mãos enganchadas”. Entretanto, o termo kakete não se restringe a essa posição ou à denominação específica do kumite, pois tem uma conotação mais ampla.
Além de ser um termo usado no Karate para definir uma série de técnicas classificadas como de recebimento (uke 受け), o kakete também está presente nas artes marciais do sul da China (chamado de Guà Shǒu 掛手) e está relacionado a um importante conceito, chamado de “pontes” (Qiáo). Conforme define Russ Smith em seu livro Principle-Driven Skill Development: In Traditional Martial Arts (Desenvolvimento de Habilidades Baseado em Princípios: Nas Artes Marciais Tradicionais)[3]:
Nos estilos do sul, os antebraços são chamados de “pontes” (橋), e o ato de aplicar técnicas com os braços contra os braços do oponente é chamado de “fazer ponte”, pois eles (na verdade) conectam nosso torso ao de nosso atacante.
(…)
Observe que uma ponte é criada sempre que os membros entram em contato, independentemente da intenção ou rótulo colocado nesse movimento. Dois cenários comuns normalmente criam uma ponte. A primeira é quando o praticante ataca, fazendo com que o defensor bloqueie. A segunda envolve o praticante bloqueando o ataque de um oponente.
Esse conceito descrito por Smith se relaciona totalmente com o Karate e com a forma como se desenvolve o kumite antigo, como poderá ser visto ao longo deste artigo. Também tem ligação com conceitos do Karate como hente 変手 (mão estranha/que se transforma)[4] e o kake-ai 掛合 (harmonia do contato), descrito por Shigekazu Kanzaki (Tō’on-ryū) como “a habilidade de usar técnicas em harmonia entre si, especialmente na curta distância.”[5] Informação relevante também é que o conceito de pontes é utilizado nos estilos do sul da China, que têm uma ligação histórica com o Karate.
Russ Smith (direita) demonstrando uma ponte[6]
É pertinente ainda observar que as conexões e pontes desenvolvidas no kakete são tão importantes dentro do Karate que são objeto não só de atividades em dupla, mas também de exercícios suplementares (hojo undō 補助運動) clássicos, sendo um dos principais representados pelo instrumento chamado kakete-biki ou kakiya[7]. Trata-se de um poste de madeira com um braço fixado em alavanca, geralmente com um contrapeso em uma das pontas, exatamente para treino das técnicas relacionadas a contato e controle do oponente.
Kakiya/kakete-biki
Pela amplitude conceitual do kakete/kakidī, como podemos ver, o termo não se restringe apenas à atividade específica do kumite, mas o kumite antigo era feito a partir do kakete e da aplicação de técnicas (golpes de impacto, manobras de controle, chaves e o que mais for conveniente para o praticante) a partir das pontes. Contribuindo para essa definição conceitual, também é relevante que o kanji Te 手, além do significado de “mão”, também é empregado de forma composta no sentido de “técnica” ou de “habilidade” relacionada a determinada atividade,[8] o que poderia dar um sentido ao kakete de “técnica/habilidade de pendurar” ou “técnica/habilidade enganchar”.
Estabelecido o conceito, podemos abordar o próximo termo, kake-kumite 掛け組手 (encontro de mãos em kake/gancho) que expressa de forma mais específica o aspecto do combate. Como sabemos, o termo kumite 組手 é um sinônimo para luta/sparring no Karate, e aqui está especificado com o termo “kake”, semelhante à especificação de outros tipos de confronto como shiai-kumite 試合組手 (encontro de mãos competitivo), jiyū-kumite 自由組手 (encontro de mãos livre), yakusoku-kumite 約束組手 (encontro de mãos prometido/combinado), entre outros. Logo, kake-kumite indica o tipo de atividade (combate) e a dinâmica empregada nessa atividade (com mãos em kake). Também é importante notar que o kake-kumite pode ser considerado um tipo ou categoria de jiyū-kumite, pela forma como se desenvolve.
Kakedameshi 掛け試し (kakidamishi em uchināguchi), por sua vez, significa “teste por meio de kake” e é um tipo de desafio entre dois karateka feito na dinâmica de kake-kumite. As referências históricas apontam com maior incidência para esse termo, uma vez que muitos dos relatos são dos desafios feitos em formato de kakedameshi envolvendo mestres pioneiros (exemplificados mais adiante).
Em suma, temos a dinâmica de contato (kakidī/kakete) que é aplicada de forma específica e intrínseca em uma atividade de combate (kake-kumite), sendo que esse tipo de combate pode ser empregado em testes e desafios (kakedameshi). Os três termos estão relacionados e contemplam escopos do combate dentro do Karate. Ao longo deste artigo, eu preferi o uso dos termos kake-kumite e kakedameshi com base nessa definição, me referindo então respectivamente ao kumite por kakete de forma ampla e a seu formato específico de desafio.
Outro termo associado ao kake-kumite é irikumi 入り組み. “Iri” tem o sentido de “entrar” e “kumi” tem o sentido de se “unir” ou “lutar de forma agarrada” (wrestle), podendo então traduzir o irikumi para algo como “engalfinhar-se”. A palavra tem um sentido inerente de luta em curta distância. Há relatos de que Chōki Motobu em sua juventude teria treinado irikumi com Kōsaku Matsumora e, em certa ocasião, acertado seu rosto com um soco[9] durante a prática, o que deixa evidente que não se tratava de uma prática meramente de wrestling, como o sumô de Okinawa. Morio Higaonna descreve irikumi conforme abaixo[10]:
Significa jiyu kumite, ou luta livre. Antigamente, em Okinawa, após o término do treino regular, os alunos veteranos, que se conheciam bem, praticavam ‘iri kumi’. Não haviam movimentos pré-arranjados (yakusoku nashi). Eles praticavam socos, chutes, técnicas de arremesso, estrangulamento, técnicas de chave e assim por diante, até que um ou outro se rendesse. Como esses alunos veteranos haviam praticado juntos por muitos anos e eram amigos, essa não era uma luta real. Suas técnicas eram controladas como se mirando áreas vitais, para não se machucarem. Este tipo de treinamento ainda é referido pelos senpai mais velhos em Okinawa, que estão agora na casa dos sessenta e setenta anos, como ‘iri kumi.’
Escolas modernas têm interpretações diversas para irikumi, sendo que algumas utilizam a expressão para um tipo de kumite livre à média e longa distância, enquanto outras consideram o termo como um conceito de lutar próximo ao oponente.
- Descrições e registros históricos de kake-kumite/kakedameshi
Muito se fala sobre como o treino do Karate/Tōdī antes da modernização era diferente do atual baseado no famoso tripé kihon, kata e kumite. Inclusive também é bastante difundida a ideia de que o método de treino antigo consistia em infinitas repetições de kata, o que desde já podemos afirmar que não é verdade, ou pelo menos não era uma regra geral. Realmente os métodos e mesmo as interpretações antigas eram diferentes das modernas, mas kata e kumite (no sentido do confronto entre dois praticantes, aplicando as técnicas desenvolvidas a partir do kata) historicamente andavam lado a lado.
A questão do kihon é mais extensa, mas é suficiente dizer que kihon significa fundamento e não necessariamente está atrelado a séries de exercícios sem relação direta com o kata que geralmente são feitas hoje em dia. O fundamento é treinado de diversas formas, mas é inerente à arte. Karate sem fundamento é nada. Chōki Motobu afirma que o “Ryukyu Kenpo Karate pode ser dividido em duas partes: Técnica fundamental (Kihon) e sua aplicação combativa (Kumite). A técnica fundamental é culminada em kata, como Naihanchi e Bassai, etc.”[11] Ou seja, o kata é um veículo de transmissão dos fundamentos do Karate e a relação com o kumite é intrínseca.
Com a modernização do Karate, o ensino em massa para o público japonês inicialmente não envolvia formas de combate direto livre. Essa ausência ocorreu devido a contextos políticos, sociais e culturais que não serão aprofundados neste artigo. Para preencher a lacuna do kumite livre, novos métodos de luta para esse fim acabaram sendo desenvolvidos a partir dos clubes de Karate das universidades. Segundo Bō Hideo,[12] sobre o treino na Universidade de Tóquio na década de 1920:
Consistia em socos na makiwara, uma dúzia ou mais de kata começando com Pinan, e algum kumite – uma versão simples do yakusoku (pré-arranjado) kumite de hoje. Portanto, não tirávamos o suficiente disso, então começamos a praticar jiyū kumite e a usar equipamentos de proteção de kendō ou equipamentos de proteção de karate especialmente inventados para lutarmos uns contra os outros. Do ponto de vista de Shihan Funakoshi, essa era uma prática inaceitável e ruim. Ele reprovou e tentou nos impedir, mas éramos muito sedentos de sangue para ouvir suas palavras.
Entretanto, pelo menos no período anterior à Segunda Guerra, existia em Okinawa o kakedameshi, um tipo popular de desafio e teste das técnicas. Era algo que no Japão Continental se tornou uma memória remota, que se ouviu falar, mas pouco compreendida. Um exemplo disso é a definição dada por Masatoshi Nakayama (Shōtōkan) no primeiro volume da série de livros O Melhor do Karate: “Antigamente, em Okinawa, o Karate baseava-se quase que exclusivamente no kata. Raramente a força de um soco ou bloqueio era medida pelo que se chamava kakedameshi.”[13]
A menção a Nakayama é importante por se tratar de uma referência ao kakedameshi feita por um mestre japonês que teve papel fundamental para a formação do Karate moderno. Entretanto, percebemos que ele assume um mito comum já mencionado neste artigo (que o treino em Okinawa era apenas kata), afirma erroneamente que kakedameshi era algo raro e dá uma descrição que não contempla tudo que está incluso na prática. Apesar disso, a descrição vai ao encontro de algo escrito por seu mestre Gichin Funakoshi sobre kakete.
Em seu primeiro livro Ryūkyū Kenpō Karate (1922) e posteriores, Funakoshi afirma que “uma pessoa pode estimar a presença de força, técnica e velocidade de seu oponente naturalmente pelo modo de resposta ao kakete.”[14] Além de uma referência ao kakedameshi (teste de habilidade pelo kakete), também é possível observar como Funakoshi utiliza termo como um conceito técnico mais amplo, de contato, não como a luta em si. Isso fica mais claro ao observarmos que Funakoshi também descreve o hikite 引手 (mão que puxa) como uma variante do kakete. Importante notar também que esse mestre ressaltou que a prática do kumite e do kata estão interligados, ao declarar que “o kumite não deve ser independente e separado do kata, uma vez que todo kata é aplicado no kumite.”[15]
A popularidade do kake-kumite/kakedameshi no Karate antigo, por sua vez, pode ser facilmente comprovada. Existe uma série de registros históricos e referências sobre o assunto. Elas dão conta da descrição técnica de como se dava esse tipo de confronto; referenciam que conhecidos mestres pioneiros teriam praticado essa forma de kumite; e exemplificam até mesmo como a prática perdurou em algumas escolas modernas.
Entre os relatos mais populares estão os relacionados a Chōki Motobu (Motobu-ryū). Múltiplas fontes citam que este mestre costumava aceitar desafios no distrito vermelho (Tsuji-machi). Entre essas fontes, Shōshin Nagamine (Matsubayashi-ryū), afirma que “Motobu Chōki muitas vezes testava sua habilidade e espírito por meio do popular kakedameshi.”[16] Nagamine também relata que, em certo confronto, o jovem Motobu foi derrotado por um praticante chamado Itarashiki, cinco ou seis anos mais velho: “Motobu não conseguiu dormir na noite em que foi derrotado, reavaliando a técnica e a estratégia de seu oponente repetidamente. Daí em diante, Motobu se dedicou ao karate com uma intensidade que até então não conhecia.”
Outro relato de Nagamine tem a ver com o treino de Motobu com Kōsaku Matsumora (Tomari-te) que, como mencionado na seção anterior deste artigo, treinava combate com seus alunos. Nagamine relata que Matsumora recusava (pelo menos em algum ponto) treinar Chōki Motobu nessa dinâmica “porque sabia que Motobu usaria sua técnica recém-descoberta em Tsuji naquela noite.”
Motobu manteve o kake-kumite como parte do legado de sua escola. Inclusive, uma descrição importante a respeito é dada no website do Motobu-ryū, traduzida para o inglês por Andreas Quast[17]:
Kakede [literalmente mãos enganchadas] (no dialeto de Okinawa kakidī) é uma forma de estilo antigo de jiyū-kumite, ou luta livre. Também é chamado de kake-kumite. Neste sparring antigo, a partir da posição de braços cruzados, as técnicas são aplicadas livremente.
Na era do Reino Ryūkyū, em Shuri-te e Tomari-te (presumivelmente até no antigo estilo Naha-te), kakidī era ativamente executado. (…) Como kakidī é executado de perto, reações rápidas são necessárias.
(…)
Da era do reino Ryūkyū até meados da era Meiji, no distrito de Tsuji de Naha, havia uma forma de combate real chamada kakedameshi (kakidamishi no dialeto de Okinawa). Este kakidamishi significa uma “competição de kakidī”.
Em complemento à descrição do Motobu-ryū, é possível afirmar com segurança que praticantes da forma do Tōdī/Karate antigo que se convencionou chamar de Naha-te tinham o kake-kumite como algo integral em seus treinos. Nas escolas modernas de Gōjū-ryū, principal estilo derivado do Naha-te, esse tipo de dinâmica aparentemente não é difundido (apesar de haver vestígios relacionados), mas há relatos que descrevem que no passado era uma prática comum. Abaixo, trecho de uma entrevista com Shuichi Aragaki, aluno de Chōjun Miyagi (fundador do Gōjū-ryū), à revista Dragon Times[18]:
Dragon Times: Ouvi dizer que Chōjun Miyagi e Chōki Motobu brigaram. É verdade?
Shuichi Aragaki: Bem, eu também ouvi isso, mas é melhor não comentar sobre essas coisas. Ambos foram grandes karateka que fundaram escolas de Karate, por isso, por respeito a eles, eu não quero dizer nada.
Dragon Times: Nos velhos tempos, essas lutas eram bastante comuns, não eram?
Shuichi Aragaki: Nos velhos tempos, sim. Outro dia, ouvi do diretor de uma escola primária que em Koto Oyama, em Shuri, que sempre havia pessoas que aceitariam um desafio para lutar. Você sabe, kakedameshi. Em Naha, no cemitério, você sempre poderia encontrar alguém para testar suas habilidades. Mesmo quando você estava andando na rua e via alguém vindo em sua direção que parecia forte ou tinha uma maneira desagradável, você pode desafiá-lo a kakedameshi.
Não foi tanto uma discussão ou um confronto realmente amargo, mas um teste de habilidade. Se você desafiou alguém muito mais forte ou muito mais fraco, você pode desistir. Se você encontrar alguém do seu nível, você pode lutar. Era incomum que alguém se machucasse muito.
Dragon Times: Dizem que antigamente, em Okinawa, não se fazia kumite no dojo.
Shuichi Aragaki: Não, eles faziam isso no dojo e fora dele também. Quando você saísse do dojo, tinha que ter cuidado porque as pessoas ficavam do lado de fora para arrumar briga com os alunos e ver como eles eram bons. Você evitaria becos escuros no caminho para casa e sempre ficaria alerta para se certificar de que ninguém estava te seguindo.
Então, de acordo com Arakaki, o combate praticado no estilo de kakedameshi/kake-kumite era algo comum em Naha tanto fora quanto dentro do dojo. Não só isso, mas Chōjun Miyagi e Chōki Motobu teriam tido um confronto nesses moldes. Também é importante o fato já mencionado de que o distrito vermelho de Tsuji-machi, onde os desafios de kakedameshi eram populares, é localizado em Naha.
Ao falar de linhagens derivadas do Naha-te, é necessário fazer um parênteses. Por vezes kake-kumite/kakedameshi é comparado ao exercício de kakie カキエ, mais popular nessa linhagem (apesar de existir em escolas derivadas de Shuri-te, como a Kyudokan[19]). Essa comparação é útil em termos de visualização de uma referência mais conhecida, pois ambas as dinâmicas guardam semelhanças técnicas e táticas (como o uso do kakete e a curta distância), além de que algumas escolas desenvolvem o kakie em uma espécie de “mini-sparring”. Evidentemente, tudo no Karate se relaciona, mas kakedameshi/kake-kumite e kakie são práticas diferentes.
Como está pontuado ao longo deste artigo, kake-kumite tem uma dinâmica abrangente voltada para o confronto livre, enquanto kakie é mais restrito e tem outras finalidades primárias, como ensinar “sensibilidade tátil e conexão; alinhamento estrutural; equilíbrio postural dinâmico; transferência de energia e outras qualidades técnicas relacionadas,” conforme aponta Samir Berardo.[20] Outro exemplo na mesma linha está no livro Okinawa Den Gojuryu Karate-Do, de Eiichi Miyazato (Jundōkan), que coloca o kakie no capítulo sobre exercícios suplementares (hojo undō) e descreve que “o propósito do kakie não é simplesmente um teste de força, mas na verdade um exercício para desenvolver a consciência e uma sensibilidade de onde a mão de seu oponente está enquanto você está puxando e empurrando. (…) Ambos os praticantes podem treinar força muscular no geral e ao mesmo tempo desenvolver destreza.”[21] Essa diferenciação é compartilhada pelo pesquisador Naoki Motobu (Motobu-ryū): “Posso dizer que o kakie de Gōjū-ryū é um ‘método de condicionamento’ (tanren-hō) no qual os braços são empurrados e puxados um contra o outro. O kakidī de Motobu-Ryū, por outro lado, é um kumite totalmente livre.”[22]
Ainda sobre Naha-te, também há registro importante preservado na forma padrão de kumite do Tō’on-ryū, estilo de Jūhatsu Kyoda, que foi senpai de Chōjun Miyagi. O termo kakedameshi não é utilizado nessa escola (e nem faria sentido, pela conotação de desafio do termo), mas kake-kumite, sim. Kyoda preservou muito dos métodos de Naha-te transmitidos por seu mestre, Kanryō Higaonna, fazendo poucas adições de katas e exercícios de kihon. Shigehide Ikeda, atual líder do Tō’on-ryū, afirma que “o kake-kumite é muito importante. É entender seu oponente e como tratá-lo, os lados fraco e poderoso dele e também os seus próprios.”[23]
As descrições técnicas mais detalhadas da dinâmica do kake-kumite/kakedameshi estão predominantemente em consonância. Aprofundando a abordagem do Naha-te/Tō’on-ryū, uma entrevista concedida por Shigekazu Kanzaki (antecessor de Ikeda como chefe do estilo) ao pesquisador e tradutor Mario McKenna traz um registro precioso a respeito[24]:
Em vez de sparring pré-arranjado [yakusoku-kumite], Juko Sensei e eu praticávamos sparring livre [jiyū-kumite]. Esse método envolvia colocar seu pulso direito no pulso direito do seu parceiro enquanto ambos assumiriam uma base dianteira à direita. O punho esquerdo era mantido na cintura. Kyoda Sensei ficava entre nós, segurava nossos punhos e nós esperávamos a nossa chance. É exatamente como o início do sumo japonês. Você observaria sua oportunidade e com um grito “HA” o sparring começaria. Em outras palavras, Tou’on-ryu é um estilo que favorece luta de perto e uso de técnicas em uma distância extremamente curta. Assim, não fazemos sparring pré-arranjado, onde um ataque vem e você bloqueia de uma certa forma e ataca de uma certa forma.
Podemos observar que a descrição acima bate com a apresentada anteriormente no Motobu-ryū com a definição da prática, tanto no aspecto de curta distância quanto da posição inicial com kakete. De fato, a descrição de Kanzaki encaixa perfeitamente com uma foto histórica muito importante, justamente mostrando Chōjun Miyagi e Jūhatsu Kyoda ainda jovens[25]:
Se referindo à foto de Miyagi e Kyoda, em outra entrevista, Kanzaki afirma ainda que “a partir dessa postura, todas as técnicas de ataque e defesa eram praticadas.”[26] Nesta mesma linha, na definição do Motobu-ryū para kakidī/kake-kumite[27] citada mais acima neste artigo, uma das fotos utilizadas para retratar a posição da prática é esta a seguir:
Essa é a posição clássica do início do início do kake-kumite/kakedameshi e remete também ao exemplo de ponte ilustrado anteriormente por Russ Smith. Outra referência que confirma isso é de Genwa Nakasone e Kenwa Mabuni (fundador do Shitō-ryū) que em seu livro Kōbō Kenpō Karate-Dō Nyūmon (Introdução ao Karate-Dō: Método do Punho Ofensivo e Defensivo, 1938)[28], ao definir kakedameshi, apresentam a imagem abaixo:
Como podemos ver, a posição é quase idêntica. Em sua descrição, Mabuni e Nakasone escrevem que a partir dessa postura de kakidī/kakete “você nunca sabe como o oponente fará a transição.” Também dizem que, “em Okinawa, eles chamam isso de kakedameshi e muitas vezes tentam ‘enganchar’ (hikkake) boas técnicas entre si”, podendo assim ambos os praticantes entenderem suas habilidades.
Uma referência mais antiga sobre kakedameshi é relacionada a Sokon Matsumura (Shuri-te), de quando ele tinha 17 ou 18 anos (por volta de 1827). Em seu livro, Empty Hand: The Essence of Budo Karate, Kenei Mabuni (filho de Kenwa Mabuni) narra uma versão da história de como Matsumura teria confrontado sua futura esposa duas vezes em kakedameshi, sendo que ela teria saído vitoriosa do primeiro confronto e ele vencido a revanche.[29] O relato começa conforme abaixo:
Naquela época, um boato chegou aos ouvidos de Matsumura de Shuri de que o prefeito de Yonabaru tinha uma linda filha de 15 anos chamada Ume. Ela não era apenas abençoada com beleza e razão, mas também era dito ser muito boa de luta. Contava-se que o pai dela ofereceu sua mão: “O homem que conseguir vencer uma luta (kake dameshi) contra ela terá permissão para se casar com ela.
Outro registro tem a ver com Matsumura e seu aluno Kentsū Yabu. Yabu enfatizava a prática do kumite e dizia que o “kata nascia do kumite.” Relato sobre esse mestre, trazido por Jisaburō Miki and Mizuho Takada no livro Kenpō Gaisetsu 拳法概説 (Introdução ao Kenpō)[30], explica sobre a dinâmica do treino com Matsumura:
Quando jovem, ele [Kentsū Yabu] frequentemente se envolvia em lutas reais e às vezes ia a outros dojos para desafiá-los. O método de prática de Yabu Sensei era repetir um kata três ou quatro vezes e então se envolver em uma confronto prático – sem nenhum equipamento de proteção – contra Matsumura Sensei, mestre de Yabu Sensei.
Um fato curioso relacionado ao kake-kumite na linhagem Matsumura/Yabu é que há uma evidência da prática no Brasil. Trata-se da foto abaixo, de alunos de Mōtoku Yabiku, discípulo de Yabu. Como já mencionei em outros textos, Yabiku imigrou para o Brasil em 1917[31] e se consolidou como uma figura importante para a comunidade uchinānchu (okinawana) no País, mas até o momento só há registros dele ensinar a arte mais de 30 anos depois de sua chegada.
Como vemos, exceto por uma variação menor (as mãos abertas), a imagem é muito similar às outras já apresentadas sobre kake-kumite/kakedameshi, inclusive a foto de Chōjun Miyagi e Jūhatsu Kyoda. No Motobu-ryū, também há variação da posição de kake-kumite com mão aberta, o que evidencia que o ponto mais importante dessa dinâmica é o estabelecimento da ponte (kakete)[32]:
Infelizmente, Mōtoku Yabiku faleceu em 1951[33], pouco tempo depois de começar a ensinar e promover o Karate abertamente no Brasil. Seus alunos não deram continuidade à escola, o que poderia ter sido uma preservação notável do Karate oriundo de Kentsū Yabu. De qualquer forma, os registros que sobreviveram trazem pistas interessantes sobre a história do Karate.
Kentsū Yabu e Chōki Motobu eram amigos, colegas sob a orientação de Ankō Itosu e compartilhavam a preferência por um Karate orientado para o kumite. Algumas fontes relatam que esses dois mestres teriam se enfrentado, com Yabu saindo vencedor. Segundo Richard Kim, “o ar estalou com o som de kiai alto, pés se arrastando, socos e chutes acertando em carne humana, e os suspiros animados dos poucos espectadores privilegiados”.[34] Pelas circunstâncias e contexto do evento, é seguro dizer que se tratou de um confronto de kakedameshi.
Sobre o relato acima, uma evidência que reforça a ideia de que se tratava de kakedameshi é a presença de testemunhas. Neste sentido, é importante a descrição da prática que é fornecida por Kenei Mabuni. Em seu livro, ele fala sobre a antiga forma de luta e sobre o envolvimento de seu pai, Kenwa Mabuni, com esse tipo de confronto[35]:
Jovens que praticavam karate faziam exercícios de luta real chamados kake tameshi. Os alunos que queriam se submeter a esse tipo de luta tinham que se candidatar e pedir que testemunhas comparecessem. Uma das testemunhas atuaria como árbitro. Eles se encontrariam em um lugar apropriado nas ruas, cercado por seus companheiros. Naquela época não havia postes de luz. Então, quando o sol tivesse se posto, os adversários teriam que lutar à luz das lanternas que os espectadores seguravam. O árbitro cessava a luta de acordo com a situação dando conselhos como: “Você deve praticar isso e aquilo um pouco mais…” Por fim, as habilidades técnicas eram discutidas entre os companheiros.
Meu pai também era frequentemente convidado para essas lutas-teste e para servir de árbitro para seus amigos. Mas os kake tameshi não eram competições como as de hoje. Era uma luta séria, real e “tudo permitido”, mas um oponente nunca era derrotado inexoravelmente. Ambos os oponentes serviriam um ao outro para estudar seus próprios pontos fracos e fortes. Não era “competir um contra o outro”, mas “cooperar um com o outro”.
A questão do kakedameshi ser um tipo de confronto livre, mas em certo nível controlado, é reforçado também por uma fala de Chōfu Ōta em uma reunião de mestres em 1936. A certa altura Ōta relembra que em sua juventude chegou a desafiar Chōki Motobu para uma “luta real”, mas este recusou. Então Ōta comenta que “nos velhos tempos, os artistas marciais nunca lutavam a menos que considerassem seu oponente como um adversário à altura. A ‘luta real’ era realizada para testar nossas próprias habilidades, o que é algo completamente diferente de ser violento.”[36]
A popularidade do kakedameshi também pode ser atestada por relatos a respeito relacionados a outros mestres, como Chōtoku Kyan. Em seu livro Tales of Okinawa’s Great Masters (Contos dos Grandes Mestres de Okinawa)[37], Shōshin Nagamine escreveu que Kyan “raramente, ou nunca, recusou qualquer desafio” de kakedameshi, “uma prática popular entre homens do karate confiantes.” O próprio Nagamine afirma ter tido contato com esse tipo de prática antiga:
A maioria dos professores de karate, senão todos, colocavam mais ênfase no kakedameshi (luta) do que na jornada interior. Apesar de não gostar de tais práticas, aprendi karate pela primeira vez nessas circunstâncias.
Há indícios de até mesmo Gichin Funakoshi ter se envolvido com kake-kumite/kakedameshi. O principal é um relato de Chōki Motobu de um confronto entre os dois: “Eu agarrei a mão dele, assumi a posição de kake-kumite e disse ‘O que você vai fazer?’ (…) Então eu o arremessei com um kote-gaeshi e ele caiu no chão com um baque.”[38]
Também é dito que Yūchoku Higa (Shōrin-ryū Kyudōkan) “foi a estrela de inúmeros Kakidamishi (desafios de combate), aumentando seus atributos físicos, mentais e espirituais através de sessões de treinamento intensivo.”[39] Outro relato é relacionado ao mestre Tsuyoshi Chitose (fundador do Chitō-ryū) e ressalta não só a popularidade, mas a relevância técnica desse tipo de prática[40]:
O’Sensei adorava colocar suas habilidades à prova em kakedameshi (combate de campo). Ele costumava desafiar outros artistas marciais desarmados e armados para lutar. Como resultado, suas habilidades não eram apenas teóricas, elas realmente funcionavam.
Como podemos observar, a questão de testar e lapidar as habilidades e aplicações do Karate, seja nos desafios ou na prática no dojo, aliada ao kata, são pontos fundamentais do kake-kumite/kakedameshi. Isso parece algo natural para uma arte que se propõe ser eficiente para a luta real voltada para a defesa pessoal, evidenciando um aspecto mais pragmático do karate antigo. Neste sentido o kake-kumite/kakedameshi está ligado ao próprio refinamento técnico da arte. Kanken Tōyama (Shūdōkan) afirma que “os especialistas e mestres de Okinawa deram os últimos toques finais ao karate se esforçando privadamente por meio das provações do ‘kaki dameshi’ かき試し {disputas ou lutas reais 真剣試合}.”[41] De acordo com o historiador Kōzō Kaku, “a tradição de kakedemashi (combates para testar/melhorar a habilidade) é uma parte vital do karate transmitida em Okinawa e ajuda a melhorar suas habilidades práticas de luta.”[42]
É válido mencionar que há pelo menos dois relatos envolvendo o termo kakedameshi que fogem das descrições predominantes. Ambos são de mestres de Gōjū-ryū, Morio Higaonna (IOGKF) e Seikichi Toguchi (Shorei-kan). Em seu livro Okinawan Traditional Karatedo — Okinawa Goju Ryu Vol. 4, Morio Higaonna narra uma história que teria ocorrido em 1893, em que Kanryō Higaonna foi atacado de forma repentina em Tsuji-machi por um encrenqueiro chamado Tokeshi Zencho[43]. Já o relato de Toguchi, em Okinawan Goju-Ryu II: Advanced Techniques of Shorei-Kan Karate, também envolve ataques repentinos a karateka renomados, por parte de pessoas buscando fama[44]:
Seyu (Kaka) Nakasone de tomari-te era carpinteiro de profissão. Certa vez, ele foi atacado por um homem enquanto trabalhava. Nakasone bloqueou instantaneamente o ataque do agressor e simultaneamente atingiu o homem na cabeça com um martelo que ele segurava. O homem ficou inconsciente e hospitalizado.
Seko Higa e Chosin Chibana do shorin-ryu foram alvos constantes de kakidameshi. Eu fui desafiado com bastante frequência e, portanto, sempre caminhei próximo ao lado esquerdo da estrada para nunca deixar meu lado esquerdo aberto. Fiquei especialmente cuidadoso nas esquinas, onde os ataques costumavam ocorrer. (…) Hoje em dia esses ataques parecem inacreditáveis, mas era uma parte verdadeira da vida do karate em Okinawa naquela época. (…) Embora nunca tenha procurado briga, eu sempre era forçado a brigar.
Os relatos de Higaonna e Toguchi parecem fazer um uso extensivo porém menos preciso da linguagem, em que a palavra kakedameshi é usada para qualquer tipo de desafio de força, sem considerar a semântica do “teste por kake”, por sua vez incompatível com ataques repentinos e não consensuais. De qualquer forma, essas lutas forçadas e recorrentes também foram meios de forjar habilidades, por conta de uma necessidade inerente, como afirma Toguchi: “no envolvimento frequente de kakidameshi, ganhei grande percepção e experiência que me ajudaram a desenvolver o sistema Shorei-kan.”
- Análogos chineses do kake-kumite/kakedameshi
Como já foi mencionado ao definir o termo kakete, sua dinâmica e abrangência, essa abordagem remete aos estilos de artes marciais da China, que por sua vez são uma grande influência direta para o Karate. Formas de kumite vindas da China estavam presentes em Okinawa ao menos desde o século XVIII, como é evidenciado pelo registro histórico do termo jiāoshǒu 交手 (“troca de mãos” ou simplesmente luta) que, de acordo com Andreas Quast, foi “usado no relatório de 1719 de Sappōshi [Xu Baoguang], bem como no programa de 1867 da Escola de Kume.”[45] Há também o relatório Ōshima Hikki, de 1762, que descreve demonstração feita por um oficial chinês identificado como “Kūsankū” e seus discípulos.[46]
Forma de luta similar ao kake-kumite pode ser encontrada em estilos como Hung Gar[47] e Taiji[48] (Taichi), com o nome de Sànshǒu 散手 (mãos espalhadas/livres). A execução desse exercício tem níveis diferentes de “praticalidade” dependendo da escola, mas a dinâmica característica envolve curta distância e contato, começando inclusive com os braços dos praticantes cruzados de modo similar ao combate antigo de Okinawa. Observo que Sànshǒu também é outro nome para Sǎndǎ 散打, forma de boxe chinês full contact (neste caso, um esporte moderno).
Hung Gar Sànshǒu
Artes chinesas com uma conexão mais próxima ao Karate, originados da região de Fujian, também possuem uma abordagem similar ao kake-kumite. Mais especificamente as variações do Bái Hè Quán 白鶴拳 (Punho da Garça Branca), estilo representado em um dos documentos históricos mais importantes do Karate, o Bubishi. Exemplo dessa dinâmica está presente no sparring (duì dǎ 对打/對打) da vertente Míng Hè Quán 鳴鶴拳/鸣鹤拳 (Punho da Garça Cantante).[49] [50]
Este estilo é o mesmo que, de acordo com o pesquisador Patrick McCarthy[51], foi fundado por Ryū Ryū Ko (apelido de Xie Zhongxiang), que por sua vez teria sido um dos professores de Kanryō Higaonna, expoente do Naha-te e mestre Chōjun Miyagi, Jūhatsu Kyoda e Kenwa Mabuni.
Míng Hè Quán
O kake-kumite também pode ser relacionado com o exercício do Wing Chun com Chi Sau 黐手 (mãos pegajosas)[52] e Lap Sau 擸手 (mãos que agarram), entre outros, principalmente pela dinâmica de curta distância, conexão entre as técnicas e constante contato entre os praticantes. De acordo com Yip Chun, após aprender as formas, o praticante “pode aplicar essas técnicas na luta livre. Esta é a função de ‘ponte’ do Chi Sau. Depois de aprender as técnicas por meio do Chi Sau, você poderá lidar com qualquer situação de luta.”[53] É relevante observar que conceitos similares, por conta da dinâmica de aplicações a partir de conexões como o kakete, também estão presentes em artes do sudeste asiático, como Kali e Silat.
- Resumo do escopo técnico do kake-kumite/kakedameshi
Com base nos relatos históricos e de como a prática sobreviveu em alguns estilos, conforme apresentado ao longo deste artigo, é possível definir então os métodos básicos do kake-kumite e de seus objetivos:
1. É uma forma de combate livre. A ideia geral do kake-kumite envolve teste livre de técnicas de combate do Karate, conforme apontado em relatos como do Motobu-ryū, do Tō’on-ryū e de Kenei Mabuni.
2. Ênfase na curta distância, a partir do kakete. Este tipo de combate ser baseado no kakete por si só já evidencia uma dinâmica que privilegia contato e estabelecimento de pontes. Isso está totalmente alinhado a usar conceitos históricos do Karate, como o muchimi 餅身[54], que se baseiam na aderência em curta distância, controle do oponente e sensibilidade tátil.
3. Inclui golpes concussivos e grappling. O escopo de combate livre em curta distância evidencia que, além de cotoveladas, socos e chutes, estão inclusas técnicas de chave, torções e arremessos, aproveitando todo potencial técnico do Karate. Como já mencionado, há uma história em que Chōki Motobu teria aplicado kote-gaeshi em Gichin Funakoshi. É relevante também antigos relatos que comparam o Karate a uma “mistura de boxing e jujutsu”[55], como o da apresentação de Kentsū Yabu no Havaí em 1927,deixando clara a versatilidade das técnicas desenvolvidas.
4. Apesar do formato livre, as técnicas são aplicadas com controle. Relatos como de Kenei Mabuni e Chōfu Ōta deixam claro que, mesmo na prática de desafio do kakedameshi, o kake-kumite era desenvolvido de forma que as técnicas pudessem se mostrar bem-sucedidas, mas sem o propósito de nocaute ou de destruir seu adversário fisicamente. Isso também pode ser notado nos análogos existentes nas práticas chinesas, onde é evidente o emprego do sundome 寸止め (parar o golpe a uma distância mínima — neste caso, diferente da forma de sundome aplicada modernamente no jiyū/shiai-kumite, onde os golpes são muitas vezes totalmente estendidos, mas devido à distância maior não chegam a tocar o oponente, ou tocam sem aprofundamento do golpe no corpo do oponente).
5. Pode ser utilizado para medir força e habilidade com outro praticante. Os relatos históricos deixam claro que o kakedameshi era um confronto consensual, e que uma pessoa podia recusar um desafio se não considerasse que o oponente era um “adversário à altura”. É lógico pensar que, em um teste de habilidade para aprimorar sua própria técnica, uma pessoa buscasse oponentes que pudessem proporcionar esse feedback e, ao mesmo tempo, determinar quem está em um nível superior.
6. O intuito do confronto não é mera competição, mas uma colaboração. Como descrito nos relatos sobre kakedameshi, o confronto era feito com testemunhas, uma espécie de juiz e ao final da luta não apenas era determinado um vencedor, mas apontados onde os praticantes poderiam melhorar. Isso indica que o kakedameshi servia não só como um meio de acertar “rivalidades”, mas também como uma forma de intercâmbio técnico.
7. É um tipo de kumite que conversa diretamente com o kata. Mestres envolvidos com a prática de kake-kumite/kakedameshi, como Kentsū Yabu, ressaltavam que a relação entre kata e kumite era indissociável. Como já mencionado, nos treinos com Kōsaku Matsumora, Yabu praticava o kata algumas vezes e em seguida treinava o kumite. Eiichi Miyazato diz em seu livro que, “antigamente, dizia-se que kata e kumite eram como as rodas de um carro.”[56] Essa declaração de Miyazato concorda com outra, de Funakoshi: “Desnecessário dizer que o kumite não deve ser independente e separado do kata, uma vez que todo kata é aplicado no kumite. Portanto, o sacrifício de kata em prol do kumite nunca deve ser permitido.”[57]
8. É um método de teste de pressão das técnicas praticadas no treino solo. É evidente pelos registros e referências sobre kake-kumite/kakedameshi, que além de uma forma de medir e desenvolver habilidades, a dinâmica também é um método para testar aplicações do Karate. A partir do pressuposto que um karateka completo busca um certo nível de pragmatismo para o que é desenvolvido nos treinos de Karate, é preciso treinar as habilidades e hipóteses de aplicação com oponentes que ofereçam algum nível de resistência ativa, para entender o que funciona e sob quais condições. Isso é particularmente importante quando é abordado o estudo das aplicações dos kata (bunkai 分解) de forma séria e realista.
É importante ressaltar que, em complemento à toda a descrição acima sobre kake-kumite, pode ser acrescentado um nono item: a prática está alinhada também com o propósito original do Karate, que era de defesa pessoal civil. Como escreveu Chōjun Miyagi: “segundo a história oral, antigamente a política de ensino do karate enfatizava as técnicas de defesa pessoal.”[58] Isso se manifesta no kake-kumite por meio da abordagem de curta distância e controle do adversário, princípios táticos de autodefesa. Como aponta Rory Miller[59]:
Um dos aspectos mais comuns e artificiais do treino e artes marciais modernas é que os exercícios de defesa pessoal são praticados a uma distância ideal, onde o atacante deve dar pelo menos meio passo para entrar em contato. Os verdadeiros criminosos raramente dão esse luxo de tempo. Eles atacam quando têm certeza de que vão acertar, com a certeza de que a vítima está bem dentro do alcance antes de iniciar o ataque.
(…)
O atacante sempre escolhe a hora e o local para o ataque, e ele escolhe um alcance no qual ele certamente pode bater forte e sua vítima terá o mínimo de tempo possível para reagir. Isso significa que ele estará perto.
A defesa pessoal aqui é definida como um confronto físico não consensual, em que um agressor quer te machucar e você precisa se defender. Evidentemente, como faz parte do propósito defensivo do Karate, a dinâmica da curta distância não é um conceito tático moderno. Como ressalta Samir Berardo, “se você está realmente em uma situação de defesa pessoal (e não em uma briga ou situação esportiva), quase sempre você simplesmente vai ser obrigado a lutar em curta distância. (…) Na realidade, frequentemente é bem mais fácil defender-se de um atacante à curta distância.”[60] Esse princípio é confirmado por uma fala de Shigekazu Kanzaki, ao descrever a principal lição que aprendeu com seu mestre Jūhatsu Kyoda: “No caso de a distância da interação combativa estar mais longe, é melhor evitar o confronto. A técnica do karate é uma habilidade defensiva usada em curta distância e não deve ser usada de outra forma.”[61]
- Prática moderna do kake-kumite/kakedameshi
Como já pontuado anteriormente, a prática de kake-kumite não é muito comum no Karate moderno e perdurou em poucas escolas tradicionais. Em um artigo de agosto de 2020, o pesquisador Naoki Motobu pondera que até aquele momento, só tinha conhecimento dessa prática em sua escola Motobu-ryū, onde esse tipo de kumite é chamado de Kakidī.[62] No mesmo artigo, ele afirma:
Uma vez que kakidī faz uso livre de ataque e defesa, pode-se reagir instantaneamente a um ataque do oponente e defender-se, ou pode-se atacar instantaneamente sem perder uma abertura fornecida pelo oponente. Isso ocorre porque kakidī cultiva esse tipo de reflexos ou reações rápidas. Essas habilidades são difíceis de obter golpeando o makiwara sozinho ou praticando yakusoku kumite, que realiza apenas ações predeterminadas.
É notório que as descrições do Motobu-ryū se encaixam com as fornecidas por Shigekazu Kanzaki e Shigehide Ikeda, do Tō’on-ryū, já apresentadas neste artigo. Nas referências Tō’on-ryū, também são apontados que o kake-kumite dessa escola envolve ideias de reação instantânea ao adversário, curta distância e o desenvolvimento de habilidades não obtidas com exercícios como yakusoku-kumite.
Além do kake-kumite ter resistido ao tempo e ter sido preservado nas escolas supracitadas, conhecidas por sua relevância histórica e técnica para o Karate, organizações modernas têm despendido esforços para reavivar e popularizar a prática. Este movimento está ligado a um interesse crescente por uma abordagem prática e funcional do Karate[63] que tem ganhado força nas últimas duas décadas, por uma série de fatores. Como já citado, o kake-kumite está atrelado a princípios relacionados à defesa pessoal, logo é razoável que a busca por um karate funcional, em várias partes do mundo, proporcione resgate (consciente ou não) desses métodos, em uma espécie de zeitgeist.
No Brasil, há a sociedade de pesquisa Muidokan Karate Kenkyukai, fundada por Samir Berardo. Com base em investigação histórica e técnica, este grupo reconstruiu a prática de kake-kumite e a mantém como uma forma de treino regular entre seus membros.[64] A prática nessa organização, a exemplo do que foi elencado na seção anterior deste artigo, é usada não apenas para medir forças, mas como ferramenta de desenvolvimento técnico e de teste sob pressão das aplicações dos kata praticados e analisados dentro dessa sociedade de pesquisa, servindo também como parte de um método de estudo.
Kake-kumite no Muidokan Karate Kenkyukai
Exemplo de caminho similar ao do Muidokan se encontra na escola Arizona Practical Karate, de Noah Legel, localizada nos Estados Unidos.[65] Neste dojo o termo kakedameshi é utilizado. Textos e vídeos abordando o tema são publicados com frequência por Legel. Também nos Estados Unidos, o dojo AmKor Karate Institutes Paoli, de Daniel Marino, é outra escola onde é praticado kakedameshi.[66]
Outras escolas de Karate moderno, mesmo não usando os termos kake-kumite ou kakedameshi, ao buscar meios de treinar o Karate de forma prática, acabam desenvolvendo métodos de kumite com propostas e objetivos similares, por mais que tecnicamente existam diferenças. Um exemplo é a escola de Iain Abernethy (Reino Unido), talvez o nome mais conhecido atualmente sobre Karate prático, onde há um tipo de luta denominado kata based sparring.[67]
Um ponto importante de observar ainda é que, mesmo que a maioria das escolas não pratique formalmente kake-kumite/kakedameshi, princípios relacionados de confronto em curta distância, conexão e controle do adversário são aplicados por mestres conceituados. Um deles é Morinobu Maeshiro (Shidōkan), que aplica informalmente uma dinâmica similar em seu dojo, em Okinawa.[68] Mesmo o modo como o kakie é conduzido em algumas escolas, como uma forma de luta mais contida, incorpora princípios do kake-kumite e é um vestígio da transmissão dos conceitos.
Outra observação relevante é que os termos kake-kumite e kakedameshi também são usados no Japão por algumas organizações modernas, mas de forma limitada se comparada ao propósito original ou em um formato full contact moderno. Exemplos desses grupos são o Takaku Dojo (高久道場)[69], o Saitama Kakedameshi Keikokai (埼玉掛け試し稽古会)[70] e a filial de Fukushima da Shinkyokushinkai (新極真会 福島支部).[71]
Como apontado mais acima neste artigo, o termo irikumi também possui relação semântica e histórica com o kake-kumite, apesar de modernamente ser interpretado de formas diferentes dependendo da escola. Como forma de combate, o irikumi atualmente se desenvolve como um formato de jiyū-kumite moderno nas organizações Jundōkan e IOGKF[72], onde também é aplicado de forma competitiva. Na escola Shoreikan, o irikumi[73] é uma “prática de combate real, mas estabelecida de forma que os alunos não se machuquem.”[74] Vale a menção também que na escola Meibukan[75] há uma forma de kumite livre, aplicada em full contact.
- Conclusão
Ao longo deste artigo, abordei aspectos históricos e técnicos do kake-kumite, kakedameshi e kakete/kakidī, traçando uma definição para cada um desses conceitos, o escopo geral e mesmo como alguns vestígios dessas práticas estão presentes no Karate de Okinawa. Também abordei como esses conceitos estão relacionados com as artes marciais chinesas, especialmente os estilos de Fujian. Para tanto, os recursos foram registros em vídeo, entrevistas, artigos e também livros de autores consagrados como Patrick McCarthy, Shōshin Nagamine, Andreas Quast, Naoki Motobu, Kenei e Kenwa Mabuni, entre outros. Finalmente, abordei ainda as iniciativas modernas de reconstrução e reavivamento da prática do kake-kumite/kakedameshi.
Meu objetivo com tudo isso foi trazer uma apresentação do que é o kakete, kake-kumite e kakedameshi para um público mais amplo, quais suas características e possíveis benefícios. Pessoalmente, por ter tido contato direto com o kake-kumite em uma das organizações citadas neste artigo (Muidokan), acredito que entender e desenvolver exercícios do tipo é algo indispensável para karateka que busquem explorar o Karate de maneira funcional. Por essa experiência, observo que por meio do kake-kumite é possível compreender os conceitos transmitidos nos kata e colocar à prova hipóteses de aplicação. Isso se alinha perfeitamente com aspectos históricos pois, citando mais uma vez a fala de Shigekazu Kanzaki, o Karate (conforme registrado nos kata) é uma arte feita para ser usada “em curta distância e não deve ser usada de outra forma”. Com o passar dos anos e da popularização do Karate outras abordagens e utilizações surgiram, sendo adequadas a outros contextos, mas os fundamentos históricos não devem ser ignorados ou apagados.
Modos de colocar à prova aplicações do que se pretenda chamar de “bunkai” são algo essencial, pois aplicar uma técnica com um oponente que não reage, em um cenário irrealista, de forma alguma validam qualquer teoria. De acordo com Eiichi Miyazato, “os estudantes devem dissecar o kata, pesquisar e praticar as técnicas individuais as usando no kumite.”[76] O teste de pressão e validação é ainda mais importante quando as aplicações são denominadas como de defesa pessoal, pois envolvem risco à integridade física dos praticantes quando forem necessárias em uma situação real. Evidentemente, o kake-kumite por si só não cobre todas as necessidades de preparação e testes, mas é uma ferramenta histórica muito útil para este fim.
Observo que, ao abordar o kake-kumite e seu contexto, não o faço em demérito das formas de kumite moderno, formatos competitivos ou de métodos modernos do Karate como um todo. O Karate é uma arte plural, com várias abordagens e possibilidades. Para conseguir diferenciá-las e saber exatamente o que está sendo treinado e o motivo, é necessário contexto histórico e repertório técnico. De forma natural, mesmo escolas consideradas mais tradicionais aliam métodos antigos com formas mais modernas, de acordo com seus propósitos, seja nos exercícios suplementares (hojo undō), na execução de kata e também no kumite.
Ironicamente, percebo que algumas pessoas de graduação elevada aqui no Brasil insistem em dizer que não existe kumite livre no Karate de Okinawa, apenas yakusoku-kumite. Como foi demonstrado, claramente é uma afirmação absurda (e um tanto constrangedora) que não resiste a qualquer mínima pesquisa, bom senso ou conhecimento do Karate. Mesmo que kakedameshi/kake-kumite/kakidī não sejam muito comuns, estão ligadas às raízes do Karate e demonstram a relação intrínseca de kata e aplicação. Há registros históricos, como foi mostrado, tanto das situações de desafio quanto do kake-kumite em treinos, em escolas de Okinawa. Também como vimos, mesmo onde a abordagem antiga não foi preservada integralmente, escolas de Okinawa muito conhecidas mantêm elementos do tipo de luta antigo em seus exercícios, além de praticar formas de jiyū-kumite e shiai-kumite com abordagens modernas e muito populares. Em suma, kumite livre existiu desde as origens do Karate de Okinawa.
Outro fato curioso é que, a partir do momento que os termos kake-kumite e kakedameshi ganharam uma certa visibilidade nos anos recentes, por conta do trabalho de pesquisadores e interessados no Karate prático/histórico, surgiram pessoas afirmando que isso não é nenhuma novidade e que já praticam kakedameshi há 20 ou 30 anos. Esse tipo de afirmação é no mínimo duvidosa uma vez que, como apontado, kake-kumite e kakedameshi são algo pouco conhecido mesmo em escolas tradicionais ou apenas sobrevivem na forma de histórias. É comum, quando certos assuntos são levantados na comunidade do Karate e quando pesquisas são divulgadas, que de repente surjam esses “elos perdidos” que sempre souberam de tudo, agindo como se tudo fosse de conhecimento geral, mas nunca demonstraram ou mencionaram nada antes. Por vezes essas declarações trazem evidências de pouco ou nenhum entendimento do assunto abordado. Precisamos cada vez mais de pessoas que explorem o Karate de forma sincera e honesta, dispostas a aprender, compartilhar, debater, complementar e rever as próprias percepções sobre essa arte.
Observo que, por mais que este artigo traga descrições e referências históricas do kake-kumite/kakedameshi suficientes para definir bem o conceito e proposta dessa prática, o tema evidentemente não se esgota, tanto em detalhes técnicos quanto em registros. À medida que outras informações se mostrarem pertinentes para a definição geral, bem como possíveis correções, este artigo poderá passar por atualizações e revisões. A ideia é que este artigo também seja o ponto de partida para posterior publicação de outros materiais que complementem ou abordem pontos específicos relacionados ao kake-kumite, kakedameshi e kakete, além de elementos relacionados, para que esses conceitos finalmente tenham a devida atenção e entendimento pela comunidade do Karate de maneira ampla.
Importante mencionar que este artigo foi possível por conta de uma iniciativa anterior com intuito de estudo da funcionalidade do Karate conduzida por Samir Berardo e o grupo fundado por ele, Muidokan Karate Kenkyukai. Foi pelo contato com esse trabalho que tomei conhecimento pela primeira vez sobre a dinâmica do kake-kumite/kakedameshi e conceitos relacionados, podendo assim explorar a prática e, a partir disso, desenvolver meus próprios estudos. De outra forma, sem apoio ou contato com estudos anteriores, certamente eu levaria muito mais anos para chegar no mesmo entendimento e conclusões. Neste sentido, fica meu agradecimento e desejo que todo o trabalho colaborativo realizado por esse grupo sirva de inspiração e renda muitos outros frutos.
Por fim, minha esperança é que este artigo contribua por despertar o interesse de outros praticantes de Karate sobre o tema, que eles conduzam suas próprias pesquisas, submetam os métodos a teste ou mesmo procurem as organizações que já desenvolvem estudo e prática do Karate com bases funcionais e históricas. A meu ver, todo esse movimento só tem a elevar o Karate, preservar sua identidade, seu legado e proporcionar que todo o potencial dessa arte possa ser aproveitado por nós e pelas próximas gerações.
NOTAS
[1] Para este artigo, o sistema usado para a romanização de palavras japonesas/uchināguchi é o Hepburn revisado, com macrón para indicação de vogais longas e apóstrofo para separação de fonemas. No caso de citações diretas e notas de referência, para manter o texto fiel ao original, optou-se por seguir a grafia utilizada na fonte.
[2] [Kakede] 掛け手. Motobu-ryu, 2007. <https://www.motobu-ryu.org/本部拳法/本部拳法の技術体系/掛け手/>. Acesso em: 31 de mar. de 2021.
[3] SMITH, Russ. Principle-Driven Skill Development: In Traditional Martial Arts. Spring House: Tambuli Media, 2018. E-book Kindle. p. 143.
[4] FUNAKOSHI, Gichin. Karate Do Kyohan: Master Text for the Way of the Empty-Hand. Neptune Publications, 2005. p. 146.
[5] MCCARTHY, Patrick. Kanzaki Interview. International Ryukyu Karate Research Society, 2001.
[6] Burinkan Martial Arts, 2020. Disponível em: <https://www.facebook.com/BurinkanDojo/photos/a.1075490102837482/1075490186170807>. Acesso em: 10 de mai. de 2021.
[7] DENWOOD, Chris. Kakiya – The Okinawan Wooden Man. Chris Denwood Living Karate, 2014. Disponível em: <https://www.chrisdenwood.com/blog/kakiya-the-okinawan-wooden-man>. Acesso em: 19 de mai. de 2021.
[8] hand. jisho. Disponível em: <https://jisho.org/search/%E6%89%8B%20%23kanji>. Acesso em: 30 de jul. de 2021.
[9] MOTOBU, Naoki. Kin Ryōjin and Motobu Chōki. 本部流のブログ, 2021. Disponível em: <https://ameblo.jp/motoburyu/entry-12673327802.html>. Acesso em: 8 de mai. de 2021.
[10] HIGAONNA, Morio. Okinawan Traditional Karatedo — Okinawa Goju Ryu Vol. 4: Applications of the Kata Part 2. Minato Research/Japan Publications, 1991. p. 135.
[11] MCCARTHY, Patrick. Motobu Choki’s “My Art of Karate”. International Ryukyu Karate Research Society: 2019. p. 144.
[12] MOTOBU, Naoki. Kumite of the University of Tokyo. 本部流のブログ, 2021. Disponível em: <https://ameblo.jp/motoburyu/entry-12665059384.html>. Acesso em: 2 de mai. de 2021.
[13] NAKAYAMA, Masatoshi. O Melhor do Karatê – Volume 1: Visão abrangente – Práticas. São Paulo: Cultrix, 1996. p. 112.
[14] FUNAKOSHI, Gichin. To-te Jitsu. Hamilton: Masters Publication, 1997.p. 55.
[15] FUNAKOSHI, Gichin. Karate Do Kyohan: Master Text for the Way of the Empty-Hand. Neptune Publications, 2005. p. 146.
[16] NAGAMINE, Shōshin. Tales of Okinawa’s Great Masters. Clarendon: Tuttle Publishing, 2000. E-book Kindle.
[17] QUAST, Andreas. On Kakidī. Ryukyu Bugei 琉球武芸, 2015. Disponível em: <https://ryukyu-bugei.com/?p=3794>. Acesso em: 31 de mar. de 2021.
[18] OSHIRO, Toshihiro. Interview: Shuichi Aragaki. Dragon Times. Disponível em: <https://www.dragon-tsunami.org/Dtimes/Pages/article41.htm>. Acesso em: 31 de mar. de 2021.
[19] Kyudokan 1968 Yuchoku Higa: Kakie. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8d2BYO_QaCQ>. Acesso em: 5 de abr. de 2021.
[20] BERARDO, Samir. O que é kakie? Como funciona?. Muidokan Karate Kenkyukai, 2020. Disponível em: <https://muidokan.com/pt/o-que-e-kakie-como-funciona-2/>. Acesso em: 5 de abr. de 2021.
[21] MIYAZATO, Eiichi. Okinawa Den Goju Ryu Karate-Do. Naha: Okinawa Goju Ryu Karate-do So Honbu Jundokan, 2005. p. 44.
[22] MOTOBU, Naoki. Records about Kakidī before WWII. 本部流のブログ, 2020. Disponível em: <https://ameblo.jp/motoburyu/entry-12616358770.html>. Acesso em: 1 de abr. de 2021.
[23] DEMYANOV, Pavel. Тоон-Рю Интервью / Touonryu Interview / 2019 (Bilingual). Рюсёкай Годзю-Рю Каратэ-До, 2019. Disponível em: <http://ryusyokai.ru/blog/touonryu-interview-2019/>. Acesso em: 12 de abr. de 2021.
[24] MCKENNA, Mario. Tou’on Ryu: The Karate of Juhatsu Kyoda Part 2. Classical Fighting Arts Magazine – Vol 2 No 21 Issue 44, 2011.
[25] [Gōjū-ryū Shi] 剛柔流史. 沖縄剛柔流空手古武道拳志會山口県支部, 2019. Disponível em: <https://ameblo.jp/ryukyukobujutsu/entry-12490746561.html>. Acesso em: 29 de abr. de 2021.
[26] MCKENNA, Mario. Kanzaki Shigekazu: An Interview with To-on-ryu’s Leading Representative. Journal of Asian Martial Arts – Vol 9 No 3, 2000. pp. 32-43.
[27] [Kakede] 掛け手. Motobu-ryu, 2007. <https://www.motobu-ryu.org/本部拳法/本部拳法の技術体系/掛け手/>. Acesso em: 31 de mar. de 2021.
[28] MOTOBU, Naoki. Records about Kakidī before WWII. 本部流のブログ, 2020. Disponível em: <https://ameblo.jp/motoburyu/entry-12616358770.html>. Acesso em: 1 de abr. de 2021.
[29] MABUNI, Kenei. Empty Hand: The Essence of Budo Karate. Chemnitz: Palisander Verlag, 2009. E-book Kindle. pp. 156-157.
[30] MOTOBU, Naoki. Yabu Kentsū’s View of Kumite. 本部流のブログ, 2021. Disponível em: <https://ameblo.jp/motoburyu/entry-12662155548.html>. Acesso em: 2 de mai. de 2021.
[31] Sobre a chegada do Karate no Brasil. Puro Karate, 2020. Disponível em: <https://purokarate.com.br/2020/05/15/sobre-a-chegada-do-karate-no-brasil/>. Acesso em: 17 de mai. de 2021.
[32] [Kakede] 掛け手. Motobu-ryu, 2007. <https://www.motobu-ryu.org/本部拳法/本部拳法の技術体系/掛け手/>. Acesso em: 31 de mar. de 2021.
[33] Sobre a chegada do Karate no Brasil. Puro Karate, 2020. Disponível em: <https://purokarate.com.br/2020/05/15/sobre-a-chegada-do-karate-no-brasil/>. Acesso em: 17 de mai. de 2021.
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